sábado, 24 de novembro de 2012

o estado atual dos cursos de Letras

Ao contrário dos meus posts anteriores, hoje eu concordarei com minha amada avó.
(Para quem não lembra do que se trata este blog, já que eu praticamente o abandonei, leia o primeiro post: Ela odeia, eu discuto. :] )

Minha vó, na sua breve experiência acadêmica ( ou seja, nada além de acompanhar a formação em pedagogia de minha mãe ), já notou que tem muitas coisas erradas com o meu curso. Apesar de não entender muito bem do que se trata uma faculdade de Letras, ela sabe que é um curso de formação de professores, principalmente. Por isso, quando eu comento com ela que não temos coisas básicas, como latim ou grego, ela se espanta e pergunta:

"- Ué! E se um aluno te perguntar a origem de uma palavra, você faz o quê?"
Também gostaria de saber, vovó. Mesmo.

Neste post vou contar o que acontece no meu curso de Letras. Escolhi o título "o estado atual dos cursos de Letras" mesmo sabendo que esse post é totalmente direcionado a um curso específico. Mas, como eu sei que há muitos cursos que passam por esses e outros problemas, o título fica. 
Não vou dizer o nome dessa universidade por questões de...respeito (?). Vou chamá-la de UFY: Universidade Federal Y!

Olha, pensando bem, eu deveria era jogar tudo no ventilador!
Dizer até quem criou o curso e tudo o mais. Só não faço isso por três motivos: 1) É fácil descobrir o nome sem eu contar. Se você, querido leitor, quiser mesmo saber, é só colocar no google ou olhar nos posts anteriores; eu acho que já falei sobre minha faculdade neles. 2) Há muitos professores especiais nesse curso, e não quero que eles levem a culpa por estes deslizes que são cortesia de quem criou a Letras de lá. 3) Não quero ser acusada de querer destruir o curso. Aliás, se alguém pensar isso, por favor, queira ir abraçar um cacto! O que eu quero é que o curso melhore e cresça!


Prepare seus cafés ou energéticos, por que a lista de problemas é looonga...

Vamos à história do Curso de Letras da "UFY"!

Um belo dia, o professor X resolveu que estava na hora de criar um curso de letras na Universidade Federal Y. A iniciativa é fantástica, já que é muito estranho uma universidade federal não possuir um curso de letras. Pois bem. O curso foi criado. PORÉM,

1) Foi criado um curso dentro de um instituto de artes, e não de ciências humanas. Logo, o curso é 90% voltado para... artes. Literaturas de todo tipo, teatro, poesia... Isso é ruim? Não, é ótimo existir um curso que se preocupe com isso!! A quantidade de cursos por aí que ignoram as literaturas "marginais" ( no bom sentido, gente, pelo amor de deus. -.- ), contemporâneas, transgressoras etc, pra dar lugar às literaturas ""clássicas"" não está no gibi!

O problema está naquela porcentagem ali: um curso de letras não pode ser totalmente voltado para uma coisa e abandonar as outras! Explico:
- Nosso curso NÃO tem uma aula de Latim ou Grego sequer.
- Nosso curso possui DUAS disciplinas de linguística: Introdução à Linguística e Fundamentos da Linguística.
-Nosso curso possui CINCO disciplinas de língua portuguesa ( lembrando que a UFRJ tem OITO disciplinas desse tipo), sendo uma delas semântica formal, e não da língua portuguesa.
- Nosso curso possui QUATRO matérias relativas a ensino, duas já foram ofertadas, duas não. Das duas que foram ofertadas, uma delas é sobre ensino de Literatura, e é dividida em 5 tópicos: 4 de TEORIA LITERÁRIA e UMA de ensino, sendo utilizados para esse tópico, materiais de uso acadêmico, para formação de professores, e não para ensino fundamental ou médio. Em compensação, nós temos aulas de tudo quanto é tipo de literatura e poesia ( inclusive a, na minha humilde opinião, detestável e inútil poesia sonora.).
Isso tudo para formar editores, poetas, escritores etc.

Sacaram o problema principal? Não só há um """"""esquecimento""""" de que um curso de letras é formador de professores por excelência e que há uma licenciatura ali, como há o mesmo """""esquecimento""""" em relação à matérias fundamentais para qualquer curso de Letras!  ( E o """esquecimento""" em relação à formação de professores conseguiu atingir alguns alunos: em uma reunião entre os alunos feita uma semana antes da visita do MEC, uma aluna DA LICENCIATURA lançou a pérola "Ué, mas se você quer ser professor, vá para a Uerj ou para a UFRJ e saia da UFY!".)

2) Foi criado um curso com verba do REUNI ( Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais ). A prioridade do REUNI é criar novos cursos e estimular a formação dos professores, logo, já dá pra ver, com base no item 1) acima, que um dos objetivos do REUNI não está rolando.
Mas isso não é o pior. Foi investido uma grana pra criação desse curso, o prédio onde ele foi instalado foi/ está sendo reformado, tá ficando um brinco, com ar condicionado e tudo mais. Mas pergunta se tem uma biblioteca? Sério, NÃO HÁ BIBLIOTECA PARA O CURSO DE LETRAS DESSA UNIVERSIDADE!! Há uma biblioteca geral que tem um punhado de livros de outras matérias ( Teatro  principalmente) e alguns livros velhos e caquéticos de outros cursos ( Pedagogia, Turismo, por exemplo ) que se aplicam à Letras. Por exemplo, tem um Saussure que já ultrapassou a quarta idade, tem uma gramática do Celso Cunha e alguns livros de literatura e de teatro que, em sua maioria, não se aplicam à nossa grade. SÓ.

Quando questionamos o professor responsável pela "encomenda" dos livros, ele disse que a lista já foi enviada em 2010 e passou a bola pra biblioteca, que ainda não os comprou. Quando questionamos os bibliotecários, eles dizem que já compraram, mas que os livros não "desceram" por falta de funcionários ( eles chamam de "descer" o ato de colocar um livro à disposição pois o "estoque" da biblioteca fica no segundo andar ).

Aí você me diz "Poxa, Netinha, a culpa não é do seu curso, é do governo que não liberou verba para contratar bibliotecários".

E eu respondo: "É o cacete. Esta universidade possui um curso de biblioteconomia LOTADO de estagiários em potencial. E os funcionários da biblioteca tem tempo de sobra pra catalogar 300 livros, pelo amor de deus! Já se passaram 3 anos de curso, praticamente, dava para ter catalogado 100 por ano!E o professor X, que criou o curso, deveria ir lá e reclamar, afinal, seus alunos estão comprando os livros caros do próprio bolso! "
Devo comentar que eu mesma já fui na sala onde os livros estão? E que são, em sua grande maioria, livros de literatura, teoria literária, teatro etc? Não, né? Ok.

Os alunos, no início do curso, fizeram uma vaquinha para comprar um livro do Davi Arrigucci Jr - vaquinha esta que eu organizei - e doamos o livro pra biblioteca. Isso foi no final de 2010. O livro ainda não está disponível para consulta.


3) Foi criado um curso com verba do REUNI, como dito anteriormente. As salas foram reformadas, pintadas, compraram cadeirinhas novas, colocaram ar-condicionado. Só esqueceram de criar UMA SALA DE ESTUDOS! Sim, não há salas de estudos nessa universidade!!
Pra não ser injusta, há uma salinha de reuniões que é pequena, mas dá pro gasto. Cabe uma mesa redonda e outra com umas 7 ou 8 cadeiras. Dá pra uns 10 alunos estudarem ali.  A sala era bem ferradinha, as cadeiras tinham cupim a dar com pau, era quente e as tomadas não funcionavam.
...virou sala de descanso pros funcionários.

Nossa "sala de estudos"...
Um belo dia, o MEC disse "VAMOS AÍ AVALIAR O CURSO!" e foi a maior correria! Pinta daqui, ajeita dali, maqueia de lá! Correram para consertar essa sala como eu nunca vi! Colocaram cadeirinhas acolchoadas, pintaram, trocaram as tomadas, até ar-condicionado colocaram! O MEC veio, avaliou e foi embora. Sabe o que aconteceu alguns meses depois disso? A salinha de estudos virou vestiário dos pedreiros que estão reformando o prédio. Você pode ver isso nessas fotos que eu tirei. Além de carrinho de mão, botas e roupas sujas, tem sempre um pedreiro sem camisa lá. Eles almoçam, trocam de roupa, deixam seus pertences, guardam um ou outro material de obras... Enquanto isso, os alunos estudam na escada ou no chão do corredor. Dá para acreditar?
Não estou falando que eles não possam ter um lugar para essas atividades! É LÓGICO que eles tem que ter uma sala de descanso, almoço etc. Mas não a ÚNICA sala de estudos do campus!

Aí você me pergunta: "E a biblioteca geral que você falou? Por que não estuda lá?"
E eu respondo: "Por que os bibliotecários de lá acham normal falar alto dentro da biblioteca! Sim, eles acham! Eu perguntei um dia para um deles por quê há tanto barulho lá, e ela disse 'olha, não dá para ficar em silêncio aqui. A gente precisa conversar também!', como quem quer dizer 'Somos humanos, não animais'. Só que AQUILO É UMA BIBLIOTECA, GENTE! VOCÊS DEVERIAM SABER DISSO QUANDO FIZERAM O CURSO DE BIBLIOTECONOMIA: UMA BIBLIOTECA TEM QUE SER SILENCIOSA, PELO AMOR DE CRISTO!".

"""""modernização"""""
4) Como já disse, foi criado um curso com verba do REUNI blá blá blá, reformaram o prédio, blá blá blá, mas esqueceram de um detalhe muito importante: Acessibilidade! O chão do pátio é de paralelepípedos. Não há uma rampa. As aulas da letras são no quarto e quinto andares e o elevador está quase sempre quebrado. Tenho outra fotinho pra comprovar. Ela é antiga, já mudaram a empresa responsável pela manutenção, mas a melhora foi de 10% no máximo.
Não vou entrar muito nesse aspecto pois ele não diz respeito a um curso de Letras, mas sim a uma Universidade em si. Mas fica aqui a denúncia.


Esses são os problemas principais do curso de Letras da Universidade Federal Y, onde eu estudo. Gostaria de deixar bem claro que meu objetivo não é prejudicar a universidade, o curso de letras, os professores ou qualquer um envolvido. Pelo contrário, meu objetivo com essas denúncias é fazer as pessoas pensarem, é tentar plantar a semente incômoda da indignação na cabeça dos alunos de letras, para que possamos fazer algo e mudar esse quadro! Sei muito bem que esse tipo de coisa que acontece no meu curso acontece em vários outros, em menor ou maior escala. Por isso mesmo que nós, alunos, que temos que reclamar, se mover, xingar, falar uns palavrões, FAZER ALGUMA COISA.

O meu curso de letras tem um potencial gigantesco! É voltado para literatura, é noturno, fica em um lugar de ótimo acesso, tem professores ma-ra-vi-lho-sos, tem TUDO para ser um curso revolucionário de um jeito excelente!

Se alguém se mover mais, se alguém notar os erros, os problemas, os deslizes e tentar fazer alguma coisa, quem sabe nosso curso ( ou melhor, NOSSOS CURSOS pelo Brasil afora ) não consiga inflar o MEC de orgulho e faça com que ganhemos uma nota 5 de 5 - ao invés da fraca nota 3 que meu curso ganhou.


Beijos, abraços e esperanças de melhorias!

Netinha

P.S.: O professor Marcos Bagno, em sua página pessoal no Facebook, divulgou um texto super interessante, verdadeiro e deprimente sobre os cursos de letras no Brasil. Se quiser ler, clique aqui!

P.S.S: Esse post foi escrito de uma vez só, me perdoem por possíveis erros de digitação ou de qualquer coisa. Fiz questão de não revisar nada, por falta de coragem mesmo. Vai que me desse medo de ser jubilada e eu apagasse tudo?
NÃO ME PROCESSA QUE EU SOU POBRE! NEM ME JUBILA QUE EU QUERO ME FORMAR!
=)

UPDATE 01/12/2012:

Tirei essas fotos para mostrar que a sala continua ocupada. O jornal que aparece é do dia 30 de novembro, que foi o dia das fotos. Não dá para ver o ano, pois a Madonna está na frente, mas como ela não veio para cá no ano passado, esse jornal é de 2012. Qualquer dúvidas em relação à autenticidade do jornal, é só entrar no site www.destakjornal.com.br, e procurar a data desta edição.

Quanto à sala, podemos dizer que, peelo menos, estão trocando a porta por uma melhor, o que é ótimo! Mas não muda o fato de que a sala ainda é depósito de tranqueiras e vestiário de funcionários.
É só clicar nas fotos que elas aumentam, ok?